Na semana passada, ficamos todos chocados diante dos atos de barbárie cometidos numa escola no Rio de Janeiro, onde 12 adolescentes foram assassinados e 12 foram feridos por uma pessoa perturbada de cabeça; e, antes de terminar a mesma semana, numa tragédia semelhante, várias pessoas foram assassinadas num centro comercial na Holanda, sem nenhuma explicação plausível. Aparentemente, também se tratava de uma pessoa desequilibrada. Esses fatos chocantes, não totalmente raros, merecem uma reflexão.
De fato, muitas são as interrogações sobre os motivos de tais atos e outras tantas são as tentativas de explicar esse tipo de comportamento humano anormal e violento contra o próximo. Não pretendo explicar, mas parto de algumas constatações sobre o assassino do Rio de Janeiro; elas também aparecem, em certa medida, em outros casos semelhantes: mente perturbada, sinais de esquizofrenia, infância sofrida e carente de afeto, dignidade e autoestima machucadas e reprimidas durante a infância e a adolescência, desprezos suportados, isolamento social e comportamentos solitários, vivência num mundo de fantasia (internet), apreço por cenas de violência, paranóias de tipo religioso, acesso fácil a armas... Enfim, um ser humano profundamente desajustado e perturbado.
Como se chega a isso? Certamente, os psicólogos e estudiosos do comportamento humano terão muito a dizer; a mente humana é complexa e as decisões pessoais dependem de uma série de fatores. De minha parte, desejo apenas refletir sobre a necessidade de uma renovada atenção ao ser humano, a cada pessoa em particular. Talvez hoje, no ritmo alucinante da vida social e econômica, acaba-se reservando pouco tempo e atenção à pessoa humana. Quanto tempo os pais têm para estarem com seus filhos pequenos e adolescentes, para ouvi-los, observá-los, falar com eles, perceber suas inquietações e problemas? Quem quer perder tempo com um adolescente problemático?
Quanto se leva em conta na educação os pequenos desequilíbrios de comportamento e caráter, que já podem aparecer na infância? Preocupam-nos as cenas de violência e desrespeito à dignidade humana, que povoam telas e telinhas e se instalam no inconsciente das crianças e adolescentes?
Durante a Campanha da Fraternidade, falamos dos problemas ecológicos e, com razão, preocupamo-nos com o equilíbrio ambiental, as mudanças climáticas e o futuro da vida no nosso planeta Terra; tudo isso tem repercussões no convívio humano e requer atitudes e comportamentos solidários e fraternos. E o próprio ser humano, fazendo parte desse delicado equilíbrio ambiental, não mereceria uma atenção especial também? Pelo menos, a mesma que se tem diante da destruição de plantas e bichinhos?
O papa Bento 16, na sua encíclica Caritas in Veritate, fala da necessidade de desenvolver uma verdadeira “ecologia humana” (cf, n.51); já tratara do mesmo tema o papa João Paulo 2º na encíclica Centesimus Annus (cf. n.38). A ecologia humana refere-se ao conjunto de modos como o homem trata de si mesmo e cuida do seu semelhante, dos hábitos pessoais e estilos no convívio social. Quem alimenta sua mente de violência, acabará praticando a violência um dia; o desprezo e o desrespeito pela dignidade do próximo desencadeiam fermentos de ódio e violência; os vícios cultivados e até incentivados são campo fértil para toda sorte de males. E quando tratado bem e estimulado à prática da virtude, o ser humano se torna semeador de obras de bem.
Cardeal Odilo P. SchererArcebispo de São Paulo
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